Segunda-feira, 7 de junho de 2010, na Faculdade de Medicina da UFMG, no bairro Santa Efigênia, somos recebidos pelo professor Antônio Leite, coordenador da bacia do Arrudas, dentro do projeto Manuelzão. O objetivo da entrevista foi tentar entender um pouco sobre como, e quando, o ribeirão Arrudas chegou nesse ponto, quais as possíveis soluções, além da polêmica sobre o Boulervard Arrudas. A Seguir os pontos principais da entrevista.
O que é Meta 2010, por que mudou para 2014 e qual o papel do Arrudas dentro desta Meta?
A Meta 2010 foi proposta em 2003, quando o projeto Manuelzão, realizou uma expedição, de caiaque, por todo o leito do rio das Velhas. Começou lá na cachoeira das Andorinhas, e terminou lá na foz, na Barra do Guaicuí, no encontro com o rio São Francisco. Foram 30 dias de navegação durante o dia, e a noite, era um momento de debates, atividades culturais, foram equipes, também, que fizeram análise da qualidade da água, enfim, quando a gente terminou essa expedição, a gente achou que tinha que, além de fazer um relatório, que gerou inclusive, 4 quilos e 200 gramas, que foi o livro da expedição, vídeos, uma série de materiais, também saiu uma proposta política. O rio está com uma série de problemas, mas nós podemos apontar uma série de iniciativas, atividades, num determinado tempo, esse rio vai melhorar. Então a gente escolheu um "número cabalístico", 2010, lá em 2003. Em 2010 nós queremos, nadar, navegar e pescar, nesse rio, na calha principal do rio, na região metropolitana de Belo Horizonte. Essa foi a ideia da Meta 2010, e ela teve uma aceitação excepcional. No dia mundial da água o governador (Aécio Neves) assumiu essa meta, como meta do estado. E aí foi montada uma comissão das várias secretarias do estado e começou um trabalho, de conhecer profundamente o problema e sobretudo mobilizar recursos, financeiros e técnicos, para poder atingir isso. E onde o Arrudas entra nisso? O Arrudas pode ser considerado, senão o principal, um dos principais problemas da bacia do rio das Velhas, porque moram mais de 1 milhão de pessoas na bacia do Arrudas. Até 2001 todo o esgoto gerado por esses habitantes eram lançados totalmente no rio, sem nenhum tratamento. A partir de 2001, a Copasa inaugurou a ETE Arrudas, e começou a tratar uma parte desse esgoto. Anos depois, me parece que em 2004, ela criou o tratamento secundário. Com o tratamento secundário se pode tirar até 95% da sujeira. Isso pro rio é excelente, você imagina tirar 95% da carga poluidora de um rio. Então o impacto para o próprio rio Arrudas e pro pessoal que mora ali no General Carneiro, que sofre todos essas conseqüências, e logo ali ele deságua no Velhas. Então o impacto do Arrudas para a Meta 2010 é fundamental. Tratar o Arrudas, tratar o ribeirão do Onça, e outros rio desse epicentro da Meta. A Meta foi alcançada, não totalmente, mas já chega peixe aqui a Santa Luzia. Não estão morrendo mais. Agora nadar é o problema. Por isso entra a Meta 2014. Porque apesar de todos esses esforços das autoridades, do projeto, não conseguimos transformar aquele trecho do rio em o que chamamos de balneável. Porque ainda tem esgoto que precisa ser tratado.
O Projeto Manuelzão é contra a canalização dos rios, e as considera um crime. Por quê?
Se você canaliza um curso d’água, você esconde pra debaixo do tapete os problemas que ele tem. As pessoas ocupam as áreas, constroem, geram esgoto, que vai direto pro rio, que vira um lugar desagradável, o lixo traz enchentes, doenças, ratos. Aí o que as pessoas pedem? Vamos canalizar o rio. vamos tampar esse que não é mais rio, é esgoto. Vamos fazer igual se fez no centro de Belo Horizonte. Como é a Afonso Pena, cheia de galerias. O Córrego Acaba-Mundo, vem lá do parque JK, desce a Senhora do Carmo, professor Moraes, Afonso Pena, Parque Municipal, Arrudas. Todinho canalizado. Isso foi uma concepção de cidade. Dá pra ter rio numa cidade? No final do século XIX, vamos construir a capital, vamos nos espelhar em cidades como Washington, aí pegaram o traçado de Washington e puseram em cima de Belo Horizonte, que é esse relevo acidentado, você vai ter avenidas transversais, ruas quadriculadas, mas o rio não obedece isso. Qual a solução? Canalizar o rio, retificar o curso. Isso que aconteceu.
Qual a opinião do projeto Manuelzão sobre os planos de ampliação do Boulevard Arrudas?
O projeto acha isso péssimo. Do ponto de vista da nossa concepção, de rios vivos, da volta dos peixes, de todo nosso ideal. Mas também a gente não pode ser tão ingênuo. Nós já estamos numa grande metrópole, com toda uma mentalidade já constituída. O que é o Arrudas naquele trecho ali? Tampar ou não tampar não vai mudar nada. Mas assim, a gente lamenta muito. Nós temos visto exemplos em outras partes do mundo exatamente ao contrário.
Por que as pessoas tem uma visão tão negativa do Arrudas?
Ele tem uma história, pelo menos nas décadas anteriores, quando ele começou a ser fechado mesmo, de tragédias, por várias vezes aqui mesmo na UFMG provas foram adiadas pelas enchentes. Foi criada uma imagem do Arrudas vilão, como se fosse culpa dele. Na verdade, nos canalizamos, nós encaixotamos ele, e depois aprofundamos ele, o tamanho do canal, com isso realmente acabou com as enchentes no centro. Na virada do ano, do dia 31 para 1º destruiu a região do Betânia, Industrial, mas o centro não inundou, a rodoviária não inundou. Se houvesse uma conscientização, que as pessoas estão abrindo mão de um patrimônio natural importante delas, desde a fundação da cidade. Nós perdemos esse patrimônio. Sepultamos nosso rio.
Qual a situação da nascente do Arrudas? Está preservada?
Não. É um grande problema, porque, todo rio, você tem um ponto, em determinada região, que você diz que é a nascente. Do ponto de vista geográfico, a nascente é uma região mais extensa. O Arrudas, formalmente, a nascente é no Barreiro. Mas eu poderia considerar que a nascente é em Contagem, o córrego do Ferrugem. Ele contribui de forma importante para a formação do Arrudas. Lá no Ferrugem ele tá canalizado, poluído, ele vem pela via Expressa, em canal aberto, perto da Vilma, ele encontra com o Arrudas. Muitas nascentes já foram soterradas. Ainda tem, mas o Arrudas perdeu muito, várias nascentes. Esses rios que nascem na Serra do Curral, na margem direita do Arrudas, são os que alimentam ele.
Quando o Arrudas “morreu”?
Ele morreu nos anos 50. Até os anos 50 as pessoas pescavam. Aí começaram as grande enchentes, a poluição começou a ficar evidente. Uma coisa que indica muito isso, e não está em nenhum livro de ciência, chama-se lavadeira. Quando a lavadeira sai do rio é porque ele não tá limpo. Você imagina, o Arrudas teve lavadeiras. E fala-se que lá pelos anos 50 elas já não estavam mais lá. Agora uma data exata de quando o Arrudas deixou de ser um rio para ser um canal de esgoto não tem. Eu sou de 54, desde que me recordo o Arrudas já era “desqualificado” isso em 66, nos anos 70 o Arrudas já não era considerado rio mais.
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